Em nossa terceira imersão a caminho do lago de Palmas, havia uma pracinha com algumas árvores típicas do cerrado, ladeadas por outras inseridas pelo homem, que não pertencem ao nosso bioma. Mais uma vez, logo no início de nossa jornada, nos conflitamos com ambientes paradoxalmente e, concomitantemente, artificiais e naturais. Espécies locais dividiam espaço com outras implantadas pelo ser urbano. Dentre as que compõem nosso bioma, nos encantamos com uma linda floração da Colher-de-vaqueiro, conhecido também como chápeu-de-couro (Salvertia convallariaeodora), e também pudemos ver uma planta com tons de laranja, que nos chamou a atenção pela vivacidade de sua composição, a Sangra d'água (Croton Urucurana), onde fizemos o registro de sua folha jovem, assim como dela em seu aspecto seco.
Após essa breve exploração urbana, seguimos rumo a uma área de reserva ambiental, passamos então a explorar o bioma do cerrado. Ao estacionar o carro em frente a uma loja de material de construção, iniciamos uma caminhada pela calçada de cimento batido que cortava as vias do asfalto local. Já no início, o amarelo incandescente da Senna Rugosa, nos chamou atenção, bem como vimos o Murici (Byrsonima basiloba) que possui uma expressiva floração de tons amarelo e alaranjado no formato que se assemelha a cachos de uva.
Após cerca de 15 minutos de caminhada por uma trilha, havia um campo aberto onde pudemos ver algumas árvores tortuosas, outras frutíferas, folhas com cores e texturas notáveis. A frondosa Fava de Bolota (Parkia platycephala), árvore símbolo do Tocantins nos recepcionava logo na entrada, marcando sua presença.
Seguindo a trilha nos deparamos com os frutos do Canudo-de-pito (Mabea fistulifera), sabe-se que que as árvores pingam néctar, e seu mel de cor âmbar claro, possui sabor suave e muito agradável. Já a Miroró (Bauhinia campestris), que vemos suas folhagens abaixo, tem propriedades diuréticas, analgésicas, hipoglicemiante, depurativa, previne e trata anemia, problemas renais e urinários e reduz a concentração de colesterol.
Logo então, adentramos a mata fechada, com árvores de grande porte, denominada "cerradão", onde encontrei no livro Guia das Plantas do Cerrado a seguinte definição "possui uma fisionomia florestal com aspectos xeromórifocos, com diversas espécies caducifólicas, incluindo árvores de grande porte com troncos retilíneos, intercaladas com árvores um pouco tortuosas"¹. E de fato foi isso que vimos essa mistura de árvores tortuosas com outras muitos altos que chegam a medir 10 metros de altura.
O ambiente nos compelia a dividir os olhares entre a verticalidade do bioma, fazendo com que olhássemos para o alto mirando as vultosas árvores do local e o mar de folhas que forrava o chão, colorido, em suas mais distintas rugosidades, nervuras e maturidade. O som dos pássaros também preenchia o cenário, o cheiro das plantas, tudo ali era um convite à imersão na natureza. A sensação é de que estávamos num outro mundo, um ambiente completamente distinto da urbanidade que há pouco estávamos inseridos.
Imagem abaixo a direita: Bacaba (Oenocarpus bacaba)
Abaixo esquerda e centro: Escada-de-jaboti (Bauhinia rutilans)
Quanto mais adentrávamos mais nos sentíamos completamente imersos naquele ambiente, como se fizéssemos naturalmente parte dele. Ao passo que éramos agarrados pelas trepadeiras que nos cercavam de cima abaixo, estávamos nós, na verdade, invadindo seu espaço e, de certa forma, interferindo no ambiente delas.
Chegamos às margens de um pequeno riacho, e vimos uma mudança de paisagem, onde surgiam cada vez mais, raízes grossas expostas, com uma vegetação semelhante ao que vemos nos mangues.
Tínhamos duas opções de caminhos a seguir, atravessar um riacho que há pouco havia surgido em nosso campo de visão, e outro seria passar por debaixo das raízes. Como não havia como transpassar o rio, em razão da poluição que havia no mesmo, decidimos encarar o desafio de passar entre as raízes expostas. E diante daquela extrema proximidades com as raízes daquela árvore, o calor e sede que nos trazia o ambiente, me lembrei da importância e complexidade delas, já que são as raízes responsáveis por drenar as águas das chuvas e abastecem os lençóis freáticos, sendo catalizadora de aguara para os principais aquíferos do Brasil e portanto, tem relação direta com a nossa fonte de agua. Pra se ter ideia de quão longas são suas raízes, seu tronco possui o tamanho de somente cerca de 1/3 (um terço) de toda a planta.
Após vencido dificultoso obstáculo (rss), o terreno se mostrou mais aberto, de onde vimos em um troco de árvore, micro bromélias tão pequenas e delicadas, que pareciam um mundo a parte, um mini mundo, e nos sentimos gigantes diante daquelas miudezas que ali se formaram.
Seguindo adiante, fizemos o registro da folhagem da Costus spiralis da Família Costaceae (fig. abaixo esquerda) com seu movimento espiral, nos lembrou as formações decorrentes da geometria sagrada. A minúscula Triumfetta sp. (fig. abaixo centro), apesar de ínfima, não passou despercebida e a raridade de ver uma flor de pétalas quase que negras. Abaixo direita, a Miconea sp. nos intrigou pelo aspecto retorcido, e confesso que tivemos dificuldade de captar na foto todos os imbricados detalhes dela.
Em nosso avanço, inesperadamente surgiram diversos tipos de flores, a surpresa se deu porque em todos o percurso não havíamos visto nenhuma espécie, até então. A potência e variedade de suas cores nos chamou a atenção instantaneamente. Podemos ver na figura abaixo à esquerda, a Quaresmeira-do-cerrado (Tibouchina stenocarpa), com suas pétalas pentâmeras (5 pétalas) e cor magenta.
Ao centro abaixo, podemos ver a floração da Bucha (Luffa cylindrica), dela que se colhe a esponja vegetal tão difunda na cultura popular.
Outra que já tornou nossa queridinha é a Solanum lycocarpum, conhecida como lobeira, já que "o fruto é o principal alimento do lobo guará"5 e seu plantio pode ser usado para recomposição ambiental por ser pioneira e tipica do cerrado.
Levamos papel na cor preta para que o contraste possibilitasse a visualização das plantas, como pode-se ver nas imagens abaixo. Ao centro podemos ver a mão do pesquisador que nos dá um parâmetro do tamanho da aranha (Trichonephila clavipes).
Abaixo esquerda, a Heliconia Acuminata da família Heliconiaceae, essa flor é vastamente explorada como planta ornamental por sua beleza de cor e formato e ainda pela facilidade de reprodução.
Abaixo direita, a floração da Sambaíba, (Curatella americana L.) também conhecida por lixeira é "considerada um dos elementos florísticos mais típicos e dispersos da savana (cerrado)"4, além de ser cicatrizante de feridas como feridas úlceras gástricas, desordens intestinais.
O que não esperávamos ainda, uma última surpresa, o Araticum Anonna cacans (abaixo esquerda) com algumas frutas em formato que se assemelha ao coração humano, então fizemos a coleta de uma mostra, e que faremos uma obra com base nela, e ainda "um pé de" Pequi, Caryocar brasiliense (abaixo ao centro), que é uma iguaria muito apreciada na culinária de diversos estados do centro-oeste brasileiro, possui uma delicada floração.
Ao sair da mata fechada exploramos o campo aberto que ainda nos trazia muita riqueza e variedade de plantas. Essa foto panorâmica permite mostrar a vocês um pouco da visualização que estávamos tendo naquele lugar.
Nesse cenário já podemos ver os efeitos do tempo de seca que nos acomete de maio a setembro em nossa região. A falta de chuvas deixam algumas árvores sem folhas, elas (as folhas) estão sob nossos pés, a seca também evidencia a beleza dos troncos retorcidos, que se tornam ainda mais dramáticos.
Abaixo esquerda: Sambaiba (Curatella americana)
Abaixo centro: Chersta spherocephala
Nessa pesquisa de campo pudemos ver que o que parecia ser uma pequeno trecho de mata se mostrou tão rico, e pudemos fazer uma imersão tão profunda naquela mata que não parecia que estávamos dentro da cidade, tão próximo a prédios e avenidas. E nos fez refletir sobre a a constante luta da natureza, diante da cada vez mais vasta ocupação física do homem. A sensação que tivemos nesse dia, foi a de que naquele pequeno pedaço de preservação ambiental havia há muita vida, e por isso a importância ao menos desses pequenos respiros de preservação de espécies nativas do cerrado.
1. GUIA DE PLANTAS DO CERRADO. Vinicius Castro e Souza. 2018. PG 21
2. Plantas do Cerrado Paulista, Árvores da Floresta Estacional Semidecidual, Árvores Brasileiras vol.1, Mensagem Doce nº131 – APACAME, Ecologia da Polinização de Mabea fistulifera na região de Viçosa-MG
5. https://www.arvores.brasil.nom.br/new/lobeira/index.htm
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